0
Saiu pela tangente,
Escapou de possivelmente encontrar a felicidade
Aos olhos de alguns,
Escapou de mais uma decepção
Aos olhos dela.
Aperfeiçoara-se na arte da fuga,
Aquela linda moça.
Perdera a sua capacidade de reconhecer que consegue amar
Por conta de alguma desconfiança,
Alguma mentira,
Não sabia como lidar com um país inteiro de insegurança
Que cabia dentro das feridas dela.
Julgavam-na,
Rotulavam-na,
Pouco se importava.
Se ainda tinha segurança em algo,
Era na sua intensa necessidade de escapar,
Não sucumbir ao que pode enfraquecê-la.
Fugia, sem o menor pudor de não demonstrar coragem,
Como animais que lutam para sobreviver na selva.
Para ela, a selva era tudo aquilo
Que plantou dentro de si.
Fernando Martilis
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
0
Acordava todos os dias, de manhã bem cedo, aquele solitário
homem. Muito provavelmente, se ouvisse um bom dia, era dele próprio ao olhar-se
no espelho. Aliás, aquele rosto amargo que via no espelho o acompanhava havia
um tempo. Esquecera-se o ultimo afago que recebera, se algum dia o tiver
recebido. Esquecera, com certeza, a
última vez que sorrira.
Muitas eram as hipóteses, as tentativas alheias de criar o
que fora o seu passado. Contudo, poucas eram as verdades concretas sobre a sua
história. Havia quem dissesse que perdera a família num trágico acidente. Havia
quem dissesse que traíra sua esposa e perdera o afeto desta e dos filhos. Outra
versão narra que se tratava de um homem devotado ao trabalho e que nem sequer
constituiu família. Fora um médico, um advogado, um executivo, que só pensou em
acumular dinheiro durante a vida inteira, afastando assim, todas as pessoas
próximas.
Pouco depois do amanhecer, saia com seus passos lentos em
direção ao mercado. Se pudéssemos ouvir as batidas do seu coração,
provavelmente seriam como o seu caminhar... Lento, bem lento. O coração de um
alguém que nada sente, nada lembra, nada têm. No fim da vida, aparentava fazer
um único esforço: respirar. Respirava difícil, ofegante, como se poupasse
energia para mais alguns passos.
O que fazia no restante do dia era um desafio para qualquer
bom ‘imaginador’. Talvez lesse um bom livro, talvez escutasse velhas músicas
que lhe lembrasse outras épocas mais felizes, talvez. Quem sabe fizesse belas
esculturas, contrariando o seu triste viver, e as guardasse só para si, quem
sabe...
Fato é que, independente do que fizesse, no outro dia, ao
amanhecer, aos olhos de quem o via caminhar lentamente pela rua, ele ainda era
a mesma pessoa. Exibia a mesma expressão amarga e solitária, a mesma face de
quem não tem nada queria ter, a face de um pobre homem, aquele que ninguém quer
ser.
Fernando Martilis
sábado, 14 de dezembro de 2013