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À Joãozinho, com afeto

Às mais saudosas e agradáveis conversas de bar.
À João Carlos da Silva, com nome e sobrenome,
Mais um Silva,
Meu bom amigo, de muitas mesas e muitas vidas.
Joãozinho e eu dividimos algumas cachaças,
Umas fortes, outras fracas.
A mais importante, que eu trouxera da serra após uma breve passagem,
Roubou-me antes do final,
Aproveitando-se de minha fraqueza por cachaças serranas.
Restavam ainda dois dedos de pinga.
Corriqueiramente, sentávamos frente à frente
E mais bebíamos do que conversávamos.
Ao final das noites,
Sem quase nada ter-nos dito,
Havíamos desabafado todas as angústias e as mazelas da vida.
Sim, por vezes, o silêncio de Joãozinho me inquietava.
Perdoem-me, serei mais preciso.
Em muitos momentos o silêncio de Joãozinho
Me deixava puto da vida!
Que escroque!
Entretanto, meu bom amigo carregava consigo
A inocência e a ingenuidade
De quem pouco sabia da vida.
Não se arriscava a falar,
Não por medo,
Mas por prezar pela sua pouca sabedoria.
Era sabido que não teria muito à contribuir,
Portanto, calava-se à dádiva que pode ser o silêncio.
Joãozinho era raso.
Não tinha o que comemorar,
Não tinha do que se entristecer.
Carregava a vida nas costas à passos lentos.
Em algumas noites mais longas,
Sentia Joãozinho tentar-me sugar a vida
No intuito de ter algum pouco de vida
Pela qual levantar-se no dia seguinte.
No auge de nossas bebedeiras,
Por tantas vezes embriagados,
Eu fitava profundamente os olhos daquele homem.
Podia sentir o seu vazio, a sua finitude.
Não obstante, nas noites mais sombrias
Tendo bebido o que nos cabia
E o que nos sobrava,
Tirando a barba mal feita
E o sinal que tinha no rosto,
Eu podia, perfeitamente, reconhecer-me
No meu bom amigo Joãozinho.

Fernando Martilis