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REAL


- Chora não meu filho, chora não!
 É o que tem pra hoje. Chora não, ‘faz aí o capitão de farinha e feijão pr’a modi cumê’.

Faz-se capitão meu filho, um dia, para ter o teu melhor sustento. Era o que dizia a mãe tentando apontar um futuro para o filho.

E bem que o menino tentou virar capitão, porém encontrou o seu fim aos dezesseis, na empreitada em que a vida o colocou. O menino via o seu melhor sustento sendo ladrão, e das mãos de um aspirante a capitão foi disparado um tiro, contra a sua realidade e seus sonhos ao mesmo tempo, atingindo bem aonde mais lhe doía; na fome.

- Ô minha filha, mistura aí essa farinha com banha e sal, e se conforma. Agradece a Deus pelo teto que ainda cobre nossas ‘cabeça’, podia ser pior minha filha, e pede a Ele pelo nosso pão de cada dia! ‘Sacia tua fome com isso aí e depois toma uma garapa’.

E a menina não entendia como Deus pudera ser tão injusto com ela. Alimentada pela revolta, que nunca bastou diga-se de passagem, aos quatorze, para saciar sua fome passou a saciar, ela, a fome dos viajantes na beira da estrada. Aos vinte, deparou-se com uma doença que nunca nem mesmo ouvira falar... Descobriu como a fome corroeu o seu corpo por dentro. Se fora anos mais tarde por causa da tal da AIDS.

A mãe que tanto tentava consolar os filhos chorava todos os dias escondida a dor da miséria. Chorava e culpava-se, pois sentia - na sua percepção de mundo - que havia matado os seus filhos logo após o momento em que os colocou no mundo, logo depois do primeiro choro de fome.

Fernando Martilis