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Sobre as excessões

Expor-se é singular,
Revelar o que as vãs filosofias encobrem
Através de verdades líquidas,
É recessivo.
A essência de cada um
Apresenta-se como o bem mais,
Irremediavelmente,
Incompartilhavel.
Nos apaixonamos e nos afetamos,
Confiamos nossos segredos
E partilhamos nossas vidas
Com frações de verdades,
Resquícios de autenticidades
E sobras da legitimidade
De contruções pessoais escusas.
Ao nosso lado vivem os discursos ensaiados,
Os desejos domesticados,
A educação conveniente de quem precisa ser,
Deliberadamente,
O que tem que ser,
Quando quiser ser, apenas.

Fernando Martilis  

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Sobre O Azul Dos Teus Olhos

E esses olhos que me lembram movimento do mar?
E esse mar que preenche os teus olhos?
Não sei nadar,
Não sei se nada há
Não sei me afogar lentamente,
Graça a Deus!
Convictamente me apresso,
Me atiro,
Mergulho
E afundo
Numa imensidão de vazio disperso.
Hoje serei mar
Amanhã, talvez, amar.

Fernando Martilis

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Inércia

Não é a escuridão que me assusta
Cresci com ela, dediquei-me ao seu convívio e
Fortifiquei-me à penumbra dos juízes e conselheiros que a rejeitam.
O que me assusta é o que a luz pode iluminar
Parte de enredos inacabados,
Restos de personagens que não protagonizaram as suas próprias histórias.
Sob a escuridão inexistem linhas tortas,
Cores desbotadas
Ou risos perdidos.
Simplesmente,
Não se perde aquilo que nunca se viu,
Tampouco ousou possuir.
Sob a escuridão as percepções são neutras
E as ausências substituíveis
Pelo vazio que não causa estanhamento.
Não desprezo a luz com todas as minhas forças,
E a santidade que inspira em alguns, 
Não me entendam mal,
Tão somente descrevo-me como um irremediável inerte
Repousando sobre o que sempre fora
Mais confortável à alma.

Fernando Martilis 




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Des-governo

Onde encontro paz
Começa uma guerra em meu peito.
Donde me vem alento, acolhimento
Expulsa-me teu olhar abrupto.
Onde mora meu riso frouxo e desinteressado
Aperta-me a solidão dos desesperados.
Quando penso ser o último gole
Embriago-me nas horas que não passam.
Onde encontro confiança, torno-me destemido
Assombro-me com a presença insistente da sombra que me persegue.
A canção que afaga
Perfura a alma.
O perfume que encanta
Envenena a mente.
As mensagens que aproximam
Não falam a mesma língua.
Quando penso que aprendi algo sobre o amor
O dia já amanheceu
E só restou café pra um.

Fernando Martilis 

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Epifania do Autor

"Voltei a cantar porque senti saudade..." (Chico Buarque)

Acho que nunca parei de escrever, de modo geral.
Escrever me relaxa, me parece com algo terapêutico.
Parei sim, de escrever sobre determinadas percepções
E acerca de algumas almas e certos tipos de corações.
Hora chamo de bloqueio criativo,
Hora de percepção seletiva...
Hora chamo de vida adulta.
O cotidiano, enquanto desenho abstrato do mundo,
Me assombra quando se assemelha a uma salada disso tudo.
Todavia, recentemente, descobri que gosto de Prestígio!
Isso, aquele chocolate com coco!
Detestava Prestígio!
Sobrava ao final da caixa de chocolates.
Mas, não é que me peguei gostando de Prestígio?
De repente, não mais do que do que de repente, talvez as almas transformaram-se,
Os corações descompassaram-se,
As saladas do cotidiano ganharam novos ingredientes,
Resumidamente, as percepções modificaram-se.
Seguirão-se alguns textos novos,
Algumas novas percepções que talvez não sejam tão novas,
principalmente para memórias mais aguçadas.
Que estejam ao agrado de serem partilhadas.
Se ao agrado não estiverem, que partilhe-se o desagrado.
Que seja um chocolate com coco, ou qualquer outro doce,
Pois qualquer doce é melhor do que doce nenhum.
Fernando Martilis