0

Liberdade

É tempo de convulsão social.
A pobreza dói,
A burrice também.
A idiotice dói no estômago,
A fome na alma.
O Deus deles está no alto das árvores
Inalcansável à fé dos humildes.
Eu mesmo nunca aprendi a escalar árvores,
Sempre escalei o cotidiano amargo, todo dia,
Descansando nas noites tenras.
A estupidez brada moralidade.
A arrogância desfila legitimação.
Uma insensata ingenuidade
Acredita
E defende
Às cegas,
Desiste da razão.
Não!
São tempos difíceis sim,
Mas não nos consumirão!
Nós comeremos eles,
Com pão e mortadela.
Alimentados de esperança,
Veremos alegria nos dias que nascem;
No sabor da cachaça,
No sexo que te acorda de madrugada,
Na lágrima que escorre no contorno do teu sorriso,
Pois,
Os tempos se sucedem
E há tempos,
Há tempos, meus amigos
Em que a liberdade alimenta os sonhos e a vida.

Fernando Martilis

0

Das noites silenciosas

Fui tua amante
Teu oposto
A metade inalienável
Do que nunca fostes
Do que nunca serás.
Fui tua amante
Debruçada no teu corpo
Por breves e raras noites
Noites de chuva
Noites de medo
Noites de açoite.
Amei e odiei o teu sexo
Mais odiei do que amei
Sou de gêmeos
E você, de touro
Destasorte, seguíamos as nossas vidas
Astrologicamente e sexualmente
Descompassados.
Não havia decreto,
Penitência
Ou corte marcial
Que me convencesse
Que o teu mundo seria o meu mundo
Que me convencesse de alguma verdade
Nas nossas fotografias
Que existia um quê
De identidade nas nossas fugas.
Sobrava-nos, destarte, o refúgio
Que, convenientemente,
Fomos um para o outro.

Fernando Martilis

1

Contundência

O melhor de mim
Esteve a disposição dos mais singelos
E descompromissados abraços.
Expressivos abraços.
Pois, não preciso caber,
Não preciso ser verdade,
Não preciso ser modelo.
Não preciso ser a tua Monalisa,
Tu não conseguirias reproduzir o meu sorriso.
Não conseguirias rezar em mim,
Se me tomasse como a tua Capela Cistina.
Estive tua para além de qualquer pergunta,
De qualquer pressuposto,
Apenas estive.
Fui, para você, a maior das minhas verdades,
À disposição do teu olhar
E da tua fome.
Me coma,
Mas não me tomes!
Apreenda-me,
Aprenda-me,
Explore-me.
Me diga com as tuas palavras o que não sentes,
Ou o que sentes.
O que podes e o que não podes.
Se não fores tu, não sedes mais ninguém.
Não para mim!
Nem comigo!
Há muito tempo fui além disso,
Para não mais voltar.

Fernando Martilis

0

Estreiteza

Não há motivos para adeus
Nem razões para desculpas
Não há necessidades de sorrisos,
Não agora.
Não há pedágios, prêmios ou recompensas
Não se troca
Olhar
Beijo
Ou expectativa.
Não.
Não há questões fechadas,
Muitos menos perguntas abertas.
Não há tempo.
Não há amarras, nós ou entraves
Nem feições e afeições.
Não há arrepio, prazer ou desejo.
Subentende-se, não há encontro
Ou desencontro,
Encanto ou desencanto.
Não há tempo para isso também.
Transfere-se, decerto, o inexplicável.
Do que houve, parece o mais plausível.

Fernando Martilis


0

Trânsito

Repouso a cabeça sobre a grama.
Fecho os olhos.
Respiro profundamente três vezes.
O ar me parece mais leve aqui.
Teria uma casa no campo para cuidar, ao som de rocks rurais?
Teria "Alucinação" para escutar aos domingos, numa vitrola velha?
Devaneios de um velho homem
Que, por um momento, se permitiu sonhar
Deitado sobre a grama.
Acordar olhando para o céu
Nos ensina, irremediavelmente, sobre transitoriedade
Uma nuvem sucede outra,
Aviões buscam seus destinos,
A lua pede licença ao sol,
Estrelas caem,
Simplesmente, caem.
Como a chuva, como a temperatura,
Como as lágrimas.

Fernando Martilis