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Defluência

 Oi.

Olá.

Cruzaram-se e cumprimentaram-se feito dois estranhos

Nem a saudação, tampouco o presente dialogavam

No passado remoto, viveram um para o outro

Num futuro de devaneios, não estavam prontos

Não foram fortes o suficiente

Como se o amanhã dependesse de força e prontidão

O hoje simplesmente chega

Quando muito, cumprimenta e se apresenta

E, sob um riso desconcertado, se recorda do passado

As memórias são evocadas

Como substrato de frustrações efêmeras

E... Aquela viagem à praia?

E... Aquele natal com a sua família?

Certamente, as fotografias foram esquecidas em algum lugar do tempo

Depois de duas doses de qualquer bebida forte

Já percebeu como o tempo aprecia brincar de vento,

Apagando os rastros de tudo?

A vida seguiu

Não nos enganemos, o hoje amanhã, também, 

Daqui a pouco se tornará história

Fortuita e inacabada estória

Quando restará, para além das lembranças incipientes, 

As breves e singelas despedidas

Até mais.

Adeus.

Fernando Martilis


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Ruínas

O caminhar do tempo esfacelou a vida

Foi-se tempo

Foi-se vida

As lembranças se desfizeram no passar dos dias

Escorreram entre os dedos

Mãos que não conseguiram segurar o tempo

Os pensamentos se perderam nos minutos

Passou tempo

Passou vida

O cheiro evaporou

Dissipou-se no ar

Apagou-se da memória

Desfez-se o domingo, o sábado e a sexta

A semana já passou, a noite também

Passou mais rápido que o normal

O carinho não mais te desperta

O sono cansado esmagou os sonhos 

O café com torradas não está mais na mesa

Nos perdemos no tempo que virou passado

Correu pelas mãos

Se foi a vida, diante do olhar cansado

Desfizeram as lembranças noite adentro

Meses afora

Amanheceu

Amanheceram

Os olhos se abriram, após um longo sono

Repousaram, enfim, sob o quê

Agora

Transformou-se num imenso vazio


Fernando Martilis