Boa tarde

Diariamente, percorrendo o caminho de volta para casa, após uma longa e cansativa jornada de trabalho, algo chamava-me atenção. Um senhor, de aparência amigável e voz branda estava sempre no portão da sua casa, nesse mesmo horário, e dali cumprimentava a quem passasse, e para quem o respondesse ele dizia um obrigado com imensa satisfação e alegria.
Assim eram todos os dias, em um mundo onde as pessoas mal cumprimentam-se o tal senhor, já no fim da sua vida, dedicava-se a proporcionar para muitos o que dificilmente teriam de outrem no restante do dia, um pouco de atenção e notoriedade.
Sempre quis parar e conversar com ele, talvez escutar sua história, os idosos geralmente têm uma grande mensagem a respeito da vida para nos repassar que aprenderam ao longo dos seus anos de inúmeras experiências, de repente até conseguiria entender o por quê todos os dias ele estava ali desejando boa tarde para quem passasse. E dessa forma o fiz, parei um dia e conversamos... por horas. Seu Francisco morava sozinho, no auge dos seus oitenta e dois anos já havia vivido quase tudo o que a vida podia ter lhe proporcionado. Em alguns momentos parecia estar distante, confundia as histórias, os nomes, os lugares... traços da idade avançada. Fora casado, estando viúvo, os filhos... ele disse orgulhosamente que os criou para a vida. Falou-me de alguns netos... confundindo os nomes e as idades. Tratava-se um professor aposentado.
Porém, quando perguntei o motivo dele estar todos os dias no seu portão, desejando boa tarde para as pessoas, me deparei com toda a sabedoria que a vida lhe trouxera. Seu Francisco confessou-me que detestava ‘amargura’. Que ele havia sido uma testemunha do mal que a amargura poderia fazer na vida de uma pessoa, e que hoje em dia essas pessoas, que passavam em frente ao seu portão, eram por demais amarguradas. E, da forma mais singela, disse-me, então, ter encontrado a fórmula para, mesmo minimamente, combater a ‘perversa’ amargura na vida das pessoas. Seu Francisco, sorrindo, defendeu que um único gesto amistoso e de acolhimento na rotina de alguém pode fazer uma diferença incrível e afastar a vil amargura. Acreditava ele, que o individuo feliz tem a capacidade de transmitir a felicidade para quem o cerca. Disse-me ainda que muitas pessoas não respondem aos seus boa tardes, mas que ficava tão feliz com os que respondiam, que, sentia-se motivado a agradecê-los pela atenção retribuída.
Aquela conversa, de alguma forma, mudou a minha vida. Seu Francisco era uma lição viva de como encarar o dia-a-dia. Nos dias que se seguiram continuei a parar em busca das nossas conversas, embora ele não lembrasse exatamente meu nome, nem quem eu era. Tivemos boas e longas conversas vendo as tardes caírem, virando noites, e vendo-o cumprimentar a quem passasse por nós.
Certo dia, grande foi o meu espanto, ao passar em sua casa e ser surpreendido com apenas um portão fechado. Não haveriam cumprimentos naquele dia... Assim como também nos próximos, e nos próximos dias. O Boa Tarde de seu Francisco havia se calado. E assim como, o velho professor argumentara antes, de fato, os meus dias pareceram ficar um tanto mais amargurados. Algo me impulsionava por notícias, fui em busca delas. Consegui com um vizinho o contato de um dos filhos do bom mestre. Fui informado que ele sentira um mal súbito, sozinho em casa o socorro tardou a chegar, mas ainda o encontraram vivo. Estava a recuperar-se em um hospital sob os cuidados dos médicos e da família.
Os meses se passaram, aquele portão jamais se abrira. O velho combatente da amargura estava nocauteado. Mas, não pelo ‘resto de uma vida inteira'. Seu Francisco parecia determinado em sua missão. Imensa foi a minha surpresa ao revê-lo no portão algum tempo depois. Não me reconhecera, as sequelas do seu problema de saúde foram definitivas, perdera parte da memória, os movimentos agora eram difíceis. Porém, sob a tutela de uma acompanhante – pois não quisera morar com filhos para não dar trabalho, voltando assim para a sua casa - todas as tardes estava lá, já sem quase nenhuma expressão, com a voz baixa e trêmula, dizendo um indescritível “boa tarde”.
E assim ainda é até hoje... Ao passar por aquele portão de madeira, daquela casa aonde as árvores fazem sombra na calçada, se estiveres bem atento... Um senhor te cumprimentará, e esse cumprimento poderá fazer do teu dia um dia melhor, para que possas fazer da tua vida, uma vida melhor, assim como das pessoas que te rodeiam. 
Fernando Martilis

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